sexta-feira, 21 de julho de 2017

O aquecimento global e o quebra-cabeças dos nenúfares












 Não sei se o leitor se lembra do quebra-cabeças dos nenúfares: «num lago existem uns nenúfares que duplicam a área que ocupam em cada dia que passa, ao fim de 30 dias ocupam toda a área do lago. Quantos dias demoram os nenúfares a ocupar metade da área?».
  A resposta (29 dias) é muito fácil, mas não é intuitiva: a nossa intuição linear tende a dizer-nos «15 dias», mas devemos rejeitá-la. 
O problema da intuição linear é que ao fim de 15 dias menos de 0,01% da superfície do lago está ocupada, e portanto parece um completo absurdo dizer que dentro de outros 15 dias não sobrará nada. 

   O fenómeno do aquecimento global tem semelhanças: há fenómenos de realimentação positiva que levam a que o ritmo de alteração dependa do nível de alteração - quanto mais a temperatura sobe, mais rápido tende a subir. Os danos criados pelo aquecimento também não são lineares uma subida média de 2º não é duas vezes mais danosa que uma subida média de 1º - é muito pior. 

  Fazendo a analogia entre o aquecimento global e os nenúfares, os primeiros 15 dias já passaram há algum tempo. Foram aquelas décadas entre 1950 e 1990: começou-se a estudar o assunto, e a comunidade científica na sua generalidade concluiu que a actividade humana estava a causar efeito de estufa e que isso era muito perigoso. Mas a oposição científica à ideia ainda era séria, porque os dados não eram completamente inequívocos (o nenúfar ainda ia a menos de 0,01%, não era tão fácil estudar a sua dinâmica de crescimento). 

  Os dez dias seguintes foram os anos entre 1990 e 2015. As provas do Aquecimento Global tornaram-se muito mais fortes e inequívocas, e o debate científico ficou fundamentalmente resolvido. O nenúfar já vai a mais de 3%, já não há dúvida de que está a crescer exponencialmente. 

  Agora estamos nos cinco dias finais. Os recordes de temperatura sucedem-se cada vez mais rápido. O polo norte derrete cada vez mais depressa, e os efeitos nefastos do aquecimento global surgem cada vez com mais frequência: a notícia mais recente é que podemos ter de suspender o consumo de sardinhas. É isso: podemos ficar 15 anos sem sardinhas por causa do aquecimento global, se é que não as vamos perder para sempre. As sardinhas!
Mas o nenúfar ainda vai a cerca de 3%, e agora é que a "festa" está a começar. Amanhã estará a 6%, depois de amanhã a 12%, e a seguir a 25%. 

Temos de perceber que a prioridade no combate ao aquecimento global não é para salvar as sardinhas ou diminuir a frequência de incêndios. Estas questões são quase insignificantes a comparar com o que pode vir aí. O aquecimento global pode provocar um dano económico e humano muito superior ao da segunda guerra mundial, quiçá uma ordem de grandeza superior. 

E este é o momento certo para reagir. A Europa precisa de um programa de estímulo para a procura agregada: que tal um plano massivo de reconversão energética? É possível aumentar o emprego e os salários enquanto acautelamos o futuro, e quanto mais cedo reagirmos, menos intensos terão de ser os nossos esforços e sacrifícios, e menos gente morrerá em vão.
De que é que estamos à espera?

Post também publicado no Esquerda Republicana.








João Vasco Gama

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